Existencia, Essencia e Espiritualidade

Recebi uma pergunta para responder, sobre a visão existencialista contida na Gestalt Terapia… Agradeço a Mirella Lima, por essa maravilhosa “provocação”, e pela oportunidade de me fazer pensar sobre o tema.

Sei que a Gestalt terapia tem influência do existencialismo, inclusive de Sartre como sua celebre frase : ” A existência precede a essência”. Vcs concordam com essa visão ateista ?? Concordo com o livre arbitrio, com a responsabilização do homem diante das suas escolhas.mas como fica essa questão da essência do homem e as heranças genéticas, senão fica aquela impressão da “Tabula Rasa”, como se fossemos uma folha em branco e nos constituissemos no mundo sem trazer nada conosco e o temperamento (Herdado) e a questão da espiritualidade???


     A idéia de que a existencia prescede a essencia não tem conxão com a questão da tábula rasa. Numa visão existencialista, o homem é um eterno devir, um eterno vir-a-ser e está o tempo inteiro caminhando em direção à realização de seu projeto existencial, segundo uma visão sartreana. A idéia de existencia do existencialismo está ligada à dimensão consciente do humano. Só o homem tem consciênciua de sua existencia como ser no mundo, e tem capacidade de refletir sobre si mesmo. A essencia seria algo que seria construida ao longo da existencia, à medida em que o homem fosse realizando seu projeto existencial, que só termina no momento da morte. Logo a visão existencialista é uma visão de evolução do homem em direção a sua essencia. A essencia não é algo dado a priori, mas construido pela pessoa como ser no mundo, como ser de consciência e autor de seu projeto existencial sempre atualizado.

     A Gestalt terapia não rejeita as bases genéticas, o temperamento, a filogênese, que nos conecta a espécie, mas a idéia de essência não se aplica a essas bases biológicas, é uma questão ontológica, sobre o ser e a existência como ser-no-mundo. Segundo Heidegger, só as coisas tem uma essencia definida a priori, pois elas são, são entes dados no mundo, sem reflexividade. Já o homem não tem essa essência definida a priori, pois esta se constroi a partir da existencia, como ser no mundo. Não dá para definir a essencia de alguém a priori, pois estamos em eterno movimento de mudança, não somos seres finalizados, mas seres em processo de construção de si, em eterno aprimoramento.

     O existencialismo tem duas vertentes, uma ateísta e uma cristã. Na Gestalt Terapia, geralmente estudamos a perspectiva sartreana, mas também estudamos Kierkgaard, que é um dos precursores do existencialismo, e traz uma reflexão existencial sob forte influência do cristianismo. Não deixamos de levar em consideração a dimensão do sagrado. A Gestalt Terapia é uma abordagem que traz uma visão holista de homem, que considera todas as dimensões da pessoa : biológica, social, cultural, psiquica e espiritual.

     Há muitos trabalhos atualmente sobre o sagrado e a espiritualidade dentre os pesquisadores da Gestalt Terapia, nas mais diversas perspectivas. Me afino à idéia de sagrado buberiana, que considera a dimesão espiritual que emerge na relação pessoa-pessoa, no “entre”, no encontro, na relação EU-TU. Essa visão do sagrado vem do hassídismo, uma corrente da religião judaíca, que também influenciou o Psicodrama moreniano.

     Entrar na Gestalt-terapia é mergulhar num mundo infinito de influencia teórico-filosóficas ricas e inquietantes. É uma abordagem, a meu ver, bastante eclética e integrativa, que busca conciliar aspectos diversos do humano, sem excluílos, porém dando foco alternado em cada um deles, a depender do que surge como questão. Não escluimos o biológico, o social, o cultural, o espiritual. Consideramos cada qual como uma das múltiplas dimensões do humano, que estão interconectadas e interdependentes entre si. É preciso ampliar bastante o quadro de referencias, dialogar com vários autores sem, necessariamente confrontá-los. Uma coisa não esclui a outra.

     Nossa visão existencialista não exclui a dimensão do sagrado, porém não comunga com dogmas ou “verdades” aprioristicas. O sagrado existe como dimensão do humano, como decorrente da relação do homem com sua existencia, com a sua transcendencia no movimento eterno de auto-realização, e como tal trabalhamos em nossa prática, considerando-a como parte da pessoa inteira que nos procura, como potencialidade e devir.

     Não somos flhas em branco, mas não somos seres acabados. Somos seres em desenvolvimento contínuo, em constante aprimoramento e re-construção. Esse aprimoramento e construção se dá nas relações, nas interações, na cultura e na sociedade, pois não somos seres alienados de nosso meio. Isso não quer dizer que somos produtos do meio, porém somos seres-no-mundo, “jogados” nessa existência, em busca de nossa essência, que é a realização do nosso projeto existencial.

     Sugiro que você leia o texto de Sartre “O EXISTENCIALISMO É UM HUMANISMO”. Você verá que Sartre não ignora a existencia de Deus, porém não a defende. Satre foi um dos filósofos que mais falaram de Deus. É até curioso pensá-lo como ateu. O existencialismo se funda na relação de “desespero” do homem diante da finitude e da iminência de deparar-se com Deus. Assim Kierkgaard traz a questão da reflexão do homem sobre sua existencia. Nietzsche puxa o homem para o mundo, para o olhar sobre sua potencialidade e sua existencia no mundo, e sobre os riscos de se perder na contemplação e no ascetismo. Sartre traz o homem político e responsável por si, por sua existencia, pela realização de seu projeto, e responsável pela humanidade.

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Enfim o projeto existencial

A angústia de ter um sentido. A obra que iremos realizar. No decorrer de nossa existência criamos inúmeros projetos. Isto porque o projeto é uma construção constante, e só termina com a morte.

Em alguns momentos nos enterramos devido a um único projeto, mas esquecemos que não há vida sem sentido, nem existência sem projeto, por isso ele não pode ser único.

Ele envolve nossa liberdade de escolha, nosso estar só, e o reconhecimento da nossa finitude. Ele nos acompanha do início ao fim de nossa existência. Mesmo porque, como nos disse Carl Rogers:

A grande obra do ser humano é a construção da existência.

 
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